Quando tinha 13 anos, meus pais se separaram. Me achava a pior pessoa do mundo, pois tinha certeza que os atrapalhava de alguma forma. Eles sempre discutiam por causa da minha educação, que sempre foi bem rígida. Meus pais nunca se preocuparam em saber o que eu queria, simplesmente decidiam tudo!
Meu pai sempre brigava comigo... Dizia que eu e minha mãe éramos sujas por sermos descendentes de índios, estranho, mas ele era racista, sempre me achou ruim e asquerosa.
Tristeza não existia para mim, nem depressão, era apenas um ódio de mim mesma... Comecei a acreditar nas coisas que meu pai dizia. Nunca tive coragem de me suicidar por saber que tinham muitas pessoas que gostavam de mim e que sofreriam se me matasse, então encontrei uma alternativa... Comecei a me torturar.
Um dia, num acesso de fúria joguei um copo no chão e fui atingida por alguns cacos enquanto os recolhia. Os cortes foram acidentais, mas na hora senti uma paz, como se estivesse relaxando, toda a raiva passou naquele instante. Eu era daquelas que gritava e quebrava as coisas em casa, mas depois daquele dia, passei a me ferir para aliviar e fazia tão automaticamente que, quando percebia, estava toda cortada! Cortava a barriga, as costas e sempre procurava um lugar novo para me cortar, principalmente onde saia mais sangue! Queria me auto destruir.

Já usei lâmina de barbear, mas prefiro me mutilar com faças, aquelas lisas estilo punhal mesmo, sem serras e sim com lâminas dos dois lados. Nunca fiz isso fora de casa, e jamais limpei o sangue no mesmo dia, gostava de ver escorrer até meu sono chegar. Quando acordava no dia seguinte, limpava todo o sangue seco.
Depois da separação, eu moro apenas com minha mãe. Para explicar as marcas, eu dizia que apanhava na escola. Ela chorou muito com uma amiga por preocupação de ter que me levar até a escola. Ela ainda não sabe a verdade, acredita que brigo muito e ponto.
Claro que tento esconder os cortes, uso pulseiras, braceletes, munhequeira ou mangas longas. Numa das vezes, fiz um corte tão fundo que quase fiquei sem os movimentos das mãos e mesmo assim escondi, deixei o corte curar sozinho, sofrendo com a dor sem conseguir pegar nada. Demorou uns três meses para sarar. Sorte que minha mãe nunca fica em casa, então consegui esconder numa boa. Se ela ficasse mais em casa eu não faria os cortes, mas eu não a culpo. Se eles ainda estivessem juntos eu teria me matado... A situação e as brigas eram insuportáveis! Não havia mais respeito, eu sou filha única e entrava no meio ou ia para o meu quarto me aliviar.
A última vez foi há seis meses, quando comecei a namorar. Tudo melhorou muito desde então, pois, no meu último namoro, fui traída e me sentia desprezada novamente, então me torturava. Me sinto bem só com isso. Meu atual namorado me ajuda, presta atenção em mim, se importa comigo e me dá muito mais valor do que eu imaginava que ele daria. Meus pais me aceitam mais hoje e me dão mais atenção. O comportamento das pessoas ao meu redor está mudando e isso está me ajudando a evoluir.
Eu tinha muito ódio das pessoas, achava que todas iriam me machucar e decidi ser indiferente a elas. Tenho amizade com pessoas determinadas e mantenho um convívio social estável, mas superficial, sem maiores intimidades. As pessoas são mais amigas minhas do que eu delas, afinal uma hora ou outra serei magoada, então simplesmente não me importo.

Hoje não ligo para o que as pessoas pensam de mim, a faculdade me ajudou nisso. Amadureci e tenho minha opinião própria, sei das conseqüências dos meus atos.
Se pudesse voltar no tempo, faria tudo igual ou pior ainda... Só me cortando a primeira vez consegui ver o quanto aquilo era bom para mim. Se tivesse coragem teria mesmo me matado. O fato de a minha mãe me amar já me bastava para continuar viva.
Não conto para ninguém por saber que não serei compreendida, todos pensarão que eu sou louca e devo procurar um psicólogo, uma religião ou seita.
Invejo os que conseguiram tirar a própria vida, mas ao mesmo tempo tenho pena pela covardia de não terem enfrentado a realidade.
Sabe, eu fui criada para me preocupar com o que os outros pensam. Aparência era tudo. Atualmente não estou nem ai para o que os outros pensam de mim. Vivo apenas para o meu prazer e satisfação. Não quero mudar nunca, achei um estilo de vida que me faz bem!
Não estou nem ai para a vida. Todos irão morrer mesmo e, quanto mais rápido, melhor!
Depoimento de L. 22 anos, estudante.
Edição:
Adriane Souza
Créditos de Fotografia:
1- Flickr de H.P.N.
2- Mariana Sugahara